9.9.09

Botinudo

João de Moraes Arruda, o Botinudo, foi uma dessas fantásticas figuras que sobrevivem na lembrança de muitos. Alguns se referem a ele como andarilho, um alcoólatra que perambulava diariamente pela região central da cidade, fazendo parada na grande figueira da praça 15 de Novembro. Ali, sob sua sombra, atraía a atenção de estudantes e aposentados que ouviam suas histórias e poesias.

Botinudo, no entanto, não era um andarilho qualquer, tinha residência (no Asilo Padre Euclides), erudição e sensibilidade. Falava outros idiomas, citava autores famosos e declamava poemas clássicos.

Nada de concreto pode-se afirmar sobre suas origens, sua história está envolta em mistério e relatos incertos. Uns dizem que nasceu em tradicional família rica, que havia cursado Direito (alguns afirmam ser Medicina) e que tudo largara por causa de um amor não correspondido, ou rompido. Encontrara no álcool, talvez, um abrigo para esquecer a dor do grande amor.
Bem vestido, com fala mansa e compassada, era bem recebido nas casas e no comércio. E tinha muitos amigos e admiradores a quem dedicava poemas ou acrósticos. Trajando chapéu e um terno azul, trazia nos bolsos frutas que ganhava no trajeto do asilo até a praça.

O historiador Rodolpho José Del Guerra, no livro “No Ventre da Terra Mãe”, dedicou a Botinudo um capítulo em que resgata alguns de seus escritos — todos assinados com o desenho de uma botina — conservados com carinho pelos amigos homenageados. Del Guerra relata também o caso em que Botinudo, ao encontrar um doutor rico e conhecido, pediu-lhe uma moeda para comprar papéis de carta. O doutor rindo lhe respondeu: “Se eu tivesse duzentos réis eu iria comer maçãs na Argentina”. O Botinudo remexeu as moedas nos bolsos e, tirando uma, estendeu a mão oferecendo-a, com muito espírito. “Vá satisfazer sua vontade, doutor, e boa viagem”.

Os últimos anos de Botinudo ninguém sabe ao certo como foram. Velho e doente, enviou mensagens e belas cartas de asilos de Lorena e São Simão para amigos rio-pardenses que lhe eram caros. Contam que no fim da vida Botinudo, enfraquecido, estava prostrado no leito do hospital.

Morto, recebeu homenagem da Prefeitura Municipal, que lhe reservou túmulo e lápide no cemitério. Seu enterro teve grande acompanhamento.

A figura de Botinudo, com suas tiradas espirituosas e poemas declamados à sombra da velha figueira, permanece gravada no imaginário popular e na lembrança de muitos.

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